A velha Chevy C10 na beira na estrada

Esta Chevy C10 se recusa a entregar os pontos.
Esta Chevy C10 se recusa a entregar os pontos.

Certos carros de apelo esportivo possuem uma suspensão tão bem acertada que transformam motoristas medianos em pilotos competentes. Algumas Station Wagons são tão garbosas que transformam rapazes tímidos em confiantes pais de família. Existem também autos antigos, que teimam em andar no ritmo moderado deles, avisando para quem está no volante que o destino vai demorar para chegar, obrigando a pessoa sortuda a prestar atenção também na paisagem.

Após muitos anos conduzindo um carro antigo, me acostumei a absorver todo o entorno da estrada, sem perder o foco na direção defensiva. E só assim consegui vislumbrar esta velha Chevy C10 estacionada na beira do caminho. 90% daqueles que acordam cedo para ir trabalhar sequer reparam nela. 9% que a vêem com o canto do olho direito processam a informação, fracionada em milésimos de segundo, como sendo apenas uma carro velho. Talvez 1% das pessoas conseguem ver alguma coisa a mais do que isto.

Eu vejo uma dama de ferro que trabalhou pelo menos três décadas. Seu último dono a poderia ter levado para um depósito de ferro-velho, mas preferiu estacioná-la ali, a poucos metros do asfalto fumegante, quando o sol está a pino. Ele lhe fez o favor de deixá-la carregada - sequer retirou o botijão de gás adaptado nela. Deste modo a senhora C10 ainda conserva a impressão de estar trabalhando, vendo carros, caminhões e ônibus passando para lá e para cá, sem parar.

O capim cresceu em torno dela, o que significa que a caminhonete está a um bom tempo inerte ali, esperando alguém se compadecer de seu estado, pedindo por uma restauração. O mínimo que eu poderia fazer era reduzir a marcha, sacar a câmera fotográfica e fazer o registro de dentro de meu carro mesmo, apenas abaixando a janela, para observar as marcas do tempo que lhe imprimiram alguma dignidade.

Conheço muita gente que também é assim, que recusa a aposentadoria e que ainda se considera capaz de seguir em frente por uns bons anos. As vezes não somos nós que nos aposentamos: são os outros que nos aposentam. E nem sempre temos um amigo para nos dizer: "vá em frente, continue". E de algum modo pisamos na embreagem, engatamos a primeira e seguimos em frente, sem olhar para trás.


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